segunda-feira, 10 de fevereiro de 2014

Leitura Crítica da Mídia: Bandido bom é bandido morto? Quem é bandido? Rótulos, estereótipos e preconceitos

Um vídeo e um texto para reflexão:











09 de dezembro de 2013
Marcos Rolim

Extraído do Jornal Extra Classe, Sinpro, dez. 2013


Os irmãos Ori e Rom Brafman são autores de alguns trabalhos muito interessantes a respeito do comportamento humano. Em seu livro “A Força do Absurdo” (Objetiva, 228 pág.) eles examinam as razões pelas quais as pessoas tomam decisões irracionais no seu dia a dia. Um dos temas abordados no livro é a rotulação.


Os autores descrevem uma pesquisa realizada em Israel com um grupo de 105 soldados em treinamento. A dedicação exigida daqueles militares era muito alta e o processo duraria 15 semanas. Os que fossem bem sucedidos poderiam assumir posições mais elevadas. Os responsáveis pelo treinamento foram, então, informados que todos os soldados haviam passado por uma bateria de testes psicológicos e exames prévios que permitiram classificá-los em três tipos: os com potencial de comando “elevado”, com potencial “regular” e com potencial “desconhecido”. Os oficiais que receberam estas informações, assim como os próprios soldados, não sabiam que elas eram completamente falsas. Os conceitos haviam sido atribuídos aos soldados aleatoriamente e os testes que eles haviam feito não tinham sentido algum.  Ocorreu que, após as 15 semanas de treinamento, os soldados foram submetidos a um teste de capacidade para funções de comando. Este teste era verdadeiro e incluía questões essenciais sobre os conteúdos do curso. Os resultados demonstraram que os soldados que haviam sido apontados antes como os de “elevado potencial de comando” tiveram uma pontuação média de 79,98; os que haviam sido apontados como de “potencial regular” alcançaram a média de 65,18 e os apontados como de potencial “desconhecido” tiveram a média de 72,43. Sem que se dessem conta, os soldados adquiriram as características que a classificação anterior lhes atribuía.


Nos círculos psicológicos, este fenômeno é conhecido como “Efeito Pigmalião”, quando lidamos com características positivas, e “Efeito Golen”, quando estamos diante de uma atribuição de sentido estigmatizador.  Ao classificar ou diagnosticar as pessoas, atribuímos a ela uma nova identidade – um rótulo – que fará com que os demais a vejam de outra maneira. Os próprios rotulados tendem a se conceber a partir daquelas características, o que termina por conduzi-los a comportamentos que confirmam e reforçam a rotulação.


O sociólogo norte-americano Robert K. Merton examinou um fenômeno semelhante – mas de efeitos sociais mais amplos: as profecias que se autocumprem (self-fulfilling prophecy), definindo-o como:


A profecia autorrealizável é, no início, uma definição falsa da situação, que suscita um novo comportamento e assim faz com que a concepção originalmente falsa se torne verdadeira. Esta especial validade da profecia que se autocumpre perpetua o reinado do erro. O profeta irá se referir ao curso dos eventos como prova de que ele estava com a razão desde o início.


Em um dos seus exemplos, ele afirma: “quando Roxanna acredita equivocadamente que seu casamento irá fracassar, o próprio medo de que tal fracasso ocorra poderá realmente conduzir o casamento ao fracasso”.


O que os rótulos e as profecias que se autocumprem indicam é que, quando nos manifestamos a respeito das pessoas, impregnamos o mundo com significações – positivas ou negativas – que adquirem vida própria e passam a conformar situações que tendem a confirmar tais conteúdos. Rotular alguém pode ser, por isso, uma forma de condenação especialmente cruel.


O tema é especialmente importante para se compreender a lógica excludente dos estigmas. Ele está presente, por exemplo, na forma como nos referimos às pessoas que são acusadas ou mesmo condenadas criminalmente. Suspeitos e condenados já aparecem como tradução de um mesmo processo pelo qual as pessoas são vistas como “estragadas”. Mesmo após ter cumprido sua pena e nada mais dever à sociedade, aquele que esteve preso será chamado com frequência de “bandido” ou identificado pelo crime que cometeu. A pessoa, efetivamente, desaparece neste processo e o que resta é a nova identidade, exatamente aquela que a reduz ao passado – e, não raro, à circunstância de um único erro - e que lhe impedirá de alcançar oportunidades e reconhecimento, por maiores que sejam seus esforços e méritos. Não por acaso, uma das abordagens modernas na criminologia – a chamada “Teoria da Rotulação” (Labelling Theory) - tem chamado a atenção para o papel criminogênico dos rótulos.


Algo assim também pode ocorrer na relação com os alunos, sempre que eles forem classificados a partir de expressões que atuam como sentenças.  “incapazes”, “preguiçosos”, “burros” são algumas destas palavras que ainda são empregadas por educadores em muitas escolas sem que eles se dêem conta de que elas funcionam como maldições.



quarta-feira, 5 de fevereiro de 2014

Leitura Crítica da Mídia: O catador que virou bode expiatório de Junho

O catador que virou bode expiatório de Junho

140205-Rafael
Direto de Bangu 5, entrevista com o único condenado pelos protestos: o perigoso homem que carregava dois frascos de PinhoSol e agora cumpre pena de cinco anos
Rafael Braga Vieira fez 26 anos dia 31 de janeiro. Nascido e criado na Vila da Penha, no Rio de Janeiro, trabalhava como garimpeiro urbano, coletando antiguidades e objetos usados no lixo para vender no “Dingo Mall” como é conhecida a feira de coisas usadas montada por moradores de rua nas proximidades da feira de antiguidades da Praça XV. No dia 20 de Junho de 2013, a PM carioca utilizou cavalaria, Tropa de Choque, muitas bombas e o famigerado Caveirão contra as centenas de milhares de pessoas que se manifestavam contra o aumento das passagens em frente à prefeitura. Enquanto alguns resistiam com escudos e barricadas, impedindo o avanço da tropa, vários manifestantes se espalharam pelo centro ateando fogo em lixo e quebrando vidraças de bancos. Por volta das 18h, Rafael, que diz nunca ter participado de manifestação nenhuma, voltava de seu garimpo para um sobrado abandonado onde ele morava. Ele declara que lá encontrou duas garrafas de produtos de limpeza que pretendia levar para uma tia, quando foi abordado por PMs e conduzido à delegacia, onde as garrafas se transformaram em coquetéis molotovs.
Rafael foi condenado no estatuto do desarmamento, por posse de explosivos e cumpre a pena de cinco anos no Presídio Elisabeth Sá Rego, também conhecido como Bangu 5. Trata-se de uma penitenciária de regime fechado, destinada normalmente a condenados ligados à facção criminosa Comando Vermelho, que controla a comunidade onde Rafael foi criado. Mesmo sem envolvimento com o crime organizado, o fato de ser cria de uma comunidade dominada por uma facção rival costuma ser uma sentença de morte no sistema prisional do Rio de Janeiro. Acompanhado de agentes e da assessoria de imprensa da SEAP, conversei por vinte minutos com Rafael. Com fala mansa e um triste conformismo, ele me contou a história da única pessoa condenada após ser presa nos protestos que tomaram conta do país desde junho do ano passado.
140205-PinhoSol
Me conta, o que aconteceu no dia 20 de Junho?
Rafael Braga Vieira: 
Tinha manifestação no centro, e eu estava chegando do trabalho e fui para o casarão onde eu morava. Quando eu saí, os PMs já me abordaram e falaram que eu estava com coquetel molotov na mão, mas eu não tava com coquetel molotov nenhum… Era uma garrafa de Pinho Sol que achei quando eu cheguei no casarão. Lá é aberto, é um casarão que foi invadido, na hora que eu cheguei lá, tinha essa garrafa e uma daquelas garrafas verdes de cloro… Aí pegaram a garrafa de Pinho Sol e esvaziaram, botaram lá algo que eu acho que era gasolina, amarraram um paninho e falaram que era coquetel molotov perante ao juiz. Só isso…
Você morava nesse casarão?
Eu morava sozinho nesse casarão aberto que tem na Lapa, dormia lá. Sou camelô, trabalho na feira da Praça XV. Como eu não tinha lugar para guardar minhas coisas, guardava lá. Minhas peças usadas. Trabalho com peças usadas, peças raras, não tenho nada a ver com essa manifestação aí. Nunca participei, nunca vi…
Você foi assistido por algum advogado quando foi preso?
Quando fui preso vieram dois advogados que me acompanharam, assinei até um papel lá com eles… Foram até lá na casa da minha família…  Mas só isso mesmo… Não sei se tão acompanhando ainda, não pediram dinheiro… Lá no juiz eu tava com a Defensoria Pública…
E você viu os PMs esvaziando a garrafa?
As duas garrafas estavam lacradas quando eu peguei, não era molotov não. Peguei porque tem uma tia minha que mora lá no outro casarão do lado desse onde eu moro, eu ia dar pra ela. Aí eles me abordaram na saída do casarão, que fica de frente à delegacia das crianças lá na Lapa. Nem tinha visto eles quando eu saí, estava carregando as garrafas na mão, já chegaram me agredindo já, me deixaram no portão e seguraram as garrafas. Me levaram lá pra 5ª [DP], e lá as garrafas já estavam com gasolina. Eles esvaziaram e colocaram gasolina pra dizer que era coquetel molotov, mas isso não tem nada a ver não. Falaram isso pro juiz e ele foi e me condenou sei lá por quê, acho que é porque eu já tenho passagens.
Quais foram essas passagens?
Cheguei a ser condenado já em outras passagens por roubo. Cumpri pena e saí por ordem do juiz, saí de condicional e eu tava trabalhando tranquilão na paz de Deus, aí aconteceu isso aí.
E em quais presídios você passou antes de chegar aqui em Bangu 5?
Primeiro eu fui pra Japeri, depois pro setor B e ai me mandaram pra cá. Me mandaram pra cá. Eu tô aqui mesmo porque eu sou morador da comunidade da Penha, desde pequeno, minha família é de lá… Aí me botaram aqui.  O convívio é tranquilo, tranquilão… Mas não tenho recebido visita, porque aqui fica um pouquinho distante pra eles.
Você acha que foi preso injustamente?
Fui preso injustamente com certeza, é porque eu tive duas passagens, por isso aí… Eu não fiz nada, sou inocente de verdade. Mas já fui condenado mesmo, o juiz me condenou, cinco anos… Tô pagando…
E o que você pretende fazer quando sair?
Quando sair pretendo voltar a trabalhar mesmo, resolver minha vida, arrumar um trabalho de carteira assinada que é melhor, ajudar minha família. Eu que ajudo minha família em casa, o mais velho dos irmãos sou eu. Minha mãe não tem marido. Tá morando sozinha agora, comigo somos sete irmãos e eu que ajudava.
E agora? Como eles estão se virando?
Pô! Não tenho nem notícias. Não sei como o pessoal tá se virando aí.
Me conta mais sobre seu trabalho na Praça XV.
Trabalho lá há muito tempo, desde os treze anos de idade. Vendo peças usadas que acho no garimpo, sou garimpeiro. Vou juntando lá no casarão, levo pra feira, espalho lá e começo a vender, pra arrumar dinheiro. Tudo que eu acho, liquidificador, televisão, aí eu alugo uma barraca lá e armo. É maneiro. Televisão funcionando, coisas boas que eu acho no lixo… Tudo vende lá cara, até peça ruim vende lá (risos), os caras compram pra tirar alguma coisa. Pô! Porcelana! Porcelana dá dinheiro legal, jarrinhos, quadros antigos, molduras… Eu tirava um dinheiro lá, de 300 a 500 por semana. Dava pra ajudar minha família tranquilo…
Eu ficava três semanas ali por baixo, ia pra casa lá na Penha, ficava uma semana em casa… Acabava ficando mais tempo lá embaixo do que em casa. Só ia lá em casa mesmo pra levar um dinheiro pra minha família, tô com duas irmãs recém-nascidas. Minha mãe chegou até a trabalhar comigo lá, mas não tava dando mais não…
Você já tinha participado de alguma manifestação? Ou sabe o porquê dessas manifestações?
Na manifestação anterior eu nem tava por perto. Nem sei por que estavam rolando essas manifestações. Não sei de nada, eu tava só voltando do trabalho, vi aquele monte de gente e aí isso aconteceu do nada. Tava vindo do Largo do Machado, eu garimpo lá, em Laranjeiras. Foi eu chegar e aconteceu isso comigo, mais ou menos umas seis horas da tarde.
Quatro meses depois, quase 200 pessoas foram presas numa manifestação, chegaram a passar um tempo aqui em Bangu, mas já foram todos liberados. Por que você acha que é o único que foi condenado e continua preso?
É… Só eu… É porque eu já fui condenado antes por roubo. Realmente, estava roubando, mas parei com isso, não quero mais saber de roubo, nem de mais nada dessa vida. Estava trabalhando tranquilão na rua, tô voltando do trabalho aí o cara pega, me agride. E acho que porque eles me agrediram lá na frente de um monte de pessoas eles tiveram que esvaziar aquilo ali e dizer que era molotov. Já tinham me agredido, já foram me chamando, falando que eu tava no meio…  “Você tava ali né? No meio daquela bagunça ali né?”, tava nada. Falaram  pro juiz que já tinham me visto por lá, que tinham me visto com uma mochila, realmente eu andava todo dia com mochila, vindo do meu garimpo, várias bolsas só com as peças usadas que eu achava no lixo. Eles falaram pro juiz que eu andava com bolsas. Pô! Nada a ver! Forjado. Foi tudo forjado.
Então você acha que eles inventaram essa história na delegacia para justificar o abuso de autoridade que tinham cometido antes?
Isso! Eles chegaram me agredindo à pampa, me deram coronhada, bateram minha cabeça na parede da delegacia. Tinha um montão de policial lá mesmo, dois já me levaram lá pra dentro já me metendo a porrada, chegaram lá dentro acabaram de me arrebentar e colocaram no “porquinho”, me deixaram um tempão lá e depois me chamaram, “tua casa caiu, não sei o quê…”. Aí me levaram pra 5ª e apresentaram a garrafa de Pinho Sol já com gasolina e com um pano na garrafa. Só isso mesmo. Falaram que era molotov, eu falei que não era. Mas não tava ninguém comigo, eu tava sozinho. Mas um montão de gente que tava com molotov mesmo foi tudo embora. Tudo liberado. Eu não tava com nada disso não e fui condenado.

segunda-feira, 3 de fevereiro de 2014

Leitura Crítica da Mídia: Pré-Rolezinho (do Observatório da Imprensa)





Documentário HIATO 
Em agosto de 2000 um grupo de manifestantes organizou uma ocupação em um grande shopping da zona sul carioca. O episódio obteve grande repercussão na imprensa nacional e ainda hoje é discutido por alguns teóricos. O filme recuperou imagens de arquivo e traz entrevistas de alguns personagens sete anos após essa inusitada manifestação.


FICHA TÉCNICA
20'00" | MiniDV | Cor NTSC | Estéreo | 16:9 | 2008 | Brasil
DIREÇÃO Vladimir Seixas | ROTEIRO Vladimir Seixas e Maria Socorro e Silva | MONTAGEM Ricardo Moreira e Roberta Rangé | FOTOGRAFIA Maurício Stal e Vladimir Seixas | SOM DIRETO Vitor Kruter e Helen Ferreira | ASSISTENTE DE FINALIZAÇÃO Juliana Oakim